Não sei explicar, mas de repente no meio da gripe e do isolamento passou-me pela cabeça criar este espaço onde pudesse a um ritmo mais ou menos regular, ir anotando as minhas novas experiências. Talvez porque a chuva e o frio adivinham a proximidade de um Inverno longo cheio de neve, talvez porque a constipação me deturpa as ideias, o facto é que a loucura aqui está.
Confesso que o meu objectivo não é que leiam as minhas loucuras, mas antes que eu própria seja capaz de as compreender, socorrendo-me para isso da escrita. Catarse, quem sabe. Portanto, ninguém se admire se algum dia ler que estou com uma fúria ou que foi um dia fabuloso. São desses opostos que a nossa vida é feita, e a minha não é diferente.
Convém começar por me apresentar: Ana, 29 anos, bolseira FCT a fazer doutoramento em História e Cultura Pré-Clássica na Universidade de Lisboa e em Yale. ehehe (mais uma loucura) Pior ainda é o assunto que investigo: literatura apocalíptica judaico-cristã, tempos históricos que vão sendo criados, e a sua influência na cultura/sociedade ocidental. Digamos que neste meu pequeno objectivo só constam 1800 anos de história, ou seja, ainda muita água há-de correr debaixo desta ponte!
Como é que uma miúda vem parar a New Haven numa noite de Janeiro, debaixo de um imenso nevão sem sequer saber onde fica o apartamento e com um prof a dar-lhe boleia? Ainda hoje não consigo explicar como é que tudo aquilo aconteceu. Foi uma loucura de uma viagem (via Londres, que é para o que dá o orçamento da FCT), e pior ainda a busca do apartamento. Às tantas, o meu professor daqui já me dizia "we have an extra bed at our home, let's go!". Bonito não é verdade? Já não bastava o prof ter saído da cama para me ir buscar ao shuttle, quanto mais ainda ter que cravar dormida. Felizmente, lá apareceu o segurança com as minhas chaves. Se soubessem como hoje me arrependo de não ter aceite a oferta. Credo, entrei num sítio que nunca na vida tinha visto limpeza... dormi vestida e tomei banho calçada... pânico total com as malas à porta e uma decisão para tomar: fico ou não? Fiquei... e a aventura tem sido inacreditável, quase tudo ao mesmo ritmo, mas temos que ser honestos e dizer que aqui existem recursos como nunca sonhámos na vida. Têm tudo quanto possamos imaginar. Deixei de ter que recorrer a Jerusalém para obter as cópias das novas publicações inexistentes em Lisboa e que os nossos orçamentos nêm querem ver por perto. Mas ao mesmo tempo, senti-me pela primeira vez uma europeia deslocada, com poucas coisas com que sentisse alguma afinidade. Até a religião passou a ser um "issue". Salvaram-me a Graça e a Estela... duas outras portuguesas, mais histórias para contar. É uma experiência e tanto, daquelas onde contamos as coisas fabulosas a par da ingratidão de algumas outras, mas onde queremos sempre voltar. É por causa desta dicotomia que decidi escrever... quero ver se sou capaz de compreender o que me rodeia, se ao mesmo tempo me sinto responsável por avançar com a minha pesquisa tendo um sítio onde possa berrar a plenos pulmões: "Acabei mais um capítulo", ou chorar as mágoas de me dizerem: "refaz que está incompreensível".
Daqui a uns tempos farei o balanço desta experiência. Se existirem por aí outros bolseiros em situações de desterro como esta, que tal trocarmos histórias? É bem mais divertido!
